Entrevista Agnes Farkasvolgyi – Cônsul Hon. Hungria para o Corpo Consular

Nossa entrevistada é Agnes Farkasvolgyi, uma profissional multifacetada cuja trajetória impressiona pela diversidade e profundidade de conhecimentos. Formada em Física, Chef de Cozinha renomada, Artista Plástica, Professora, Palestrante e Cônsul Honorária da Hungria, Agnes reúne uma série de habilidades que se conectam de maneira única, enriquecendo sua jornada e consolidando seu prestígio no universo da gastronomia. Ao longo desta entrevista, ela nos contará um pouco de sua história e como suas diferentes formações e experiências contribuíram para torná-la uma chef super conceituada, reconhecida pelo talento e inovação que traz para a culinária.

Como sua formação em Física e sua trajetória como artista plástica influenciaram sua visão criativa e técnica na cozinha?

Para falar sobre minha atuação enquanto chef, preciso fazer uma linha do tempo para contextualizar quando cada atividade começou.

Me formei em bacharelado e licenciatura em física, pela UFMG em 1984 / 85. Desde 1982 já trabalhava como monitora e na sequência, professora de Física no Pré Vestibular e no Colégio Pitágoras. Lecionei também na Escola de Engenharia da Fumec. Em 88, quando Camilla, minha primeira filha nasceu, tirei um ano sabático que resultou no Bouquet Garni. Na época, no formato de uma delikatessen, muito charmosa, nos chalezinhos da Raja Gabaglia.

O lado artista foi incentivado desde muito cedo pelo pai. Outro artista. Mas, somente em meados dos anos 90, após interromper minha carreira de professora de física, voltei a me interessar em aprender mais sobre arte. Entrei novamente na UFMG, e me formei em artes visuais, especialização em pintura e desenho, nos anos 2005 / 2006.

Acredito que Criatividade é um grande HD, cheio de arquivos, cuidadosamente salvos, por cada um de nós.  E é também, uma análise combinatória bem-feita, utilizando esses arquivos.

Na cozinha, criatividade necessita de estrutura e técnica, que nada mais é que ciência, mas para encantar, há de se ter arte.

Transição para a Gastronomia:

O que a levou a migrar da arte e da ciência para se tornar uma chef de cozinha renomada? Foi uma transição natural ou houve um momento decisivo que despertou sua paixão pela gastronomia?

Minha primeira referência importante na cozinha veio de minha avó materna, vovó Judite. Ela tinha uma maneira muito particular de afagar cada um de nós, netos, filhos, amigos e agregados, através da sua comida, mágica. Nas mesas de lanche aos domingos e de almoços diários, ela fazia o que cada um gostava, do seu jeito. Eram ‘banquetes’ animados e amorosos. Entendi ali, que cozinha era uma linguagem poderosa, nesse caso, de afeto.

No meu primeiro ano sabático, quando minha filha nasceu, comecei a cozinhar com Karen, minha futura sócia por 27 anos, produzindo delícias embalados em potes; geleias, conservas, molhos, patés. 5 anos depois, o sucesso dessa nova empreitada fez com que eu tivesse que decidir entre ser professora de física ou cozinheira.  Optei pela cozinha, mas não abandonei a professora, nem a ciência. Me tornei professora de cozinha.  A ciência só trocou de função.

Herança e Influência Familiar:

De que forma sua origem húngara e as tradições familiares influenciaram sua abordagem culinária e seu estilo na Casa Agnes?

Minha segunda referência gastronômica impactante, veio da minha primeira viagem para conhecer meus familiares húngaros. A primeira refeição, na casa de minha tia, foi em formato de jantar de degustação, tipicamente francês. Hors d’ouvre, entrada, principal, salada, queijo e sobremesa!!!! Eu tinha 16 anos, já sabia que cozinha era linguagem de afeto e ali aprendi que também podia ser de encantamento, sedução. No final, tudo a mesma coisa, em línguas diferentes. 

Consulado e Representação Cultural:

Como surgiu a oportunidade de se tornar cônsul honorária da Hungria? E como você combina esse papel com sua carreira como chef e empresária?

Meu pai, Istvan Farkasvolgyi, foi o primeiro Cônsul Honorário da Hungria em MG a partir de 1996. Ele faleceu aos 72 anos, em 2005. O convite, para assumir esse honroso lugar, duplamente, veio em 2006.

Naquela época, as possibilidades de intercâmbios nas áreas de meu conhecimento e atuação, todas ligadas a cultura, me pareceu uma bela maneira de honrar a herança de meu pai.

Como chef, é maravilhoso apreender uma nova cultura. Foi uma grata surpresa, perceber as semelhanças entre nossas cozinhas. A carne de porco é muito usada e valorizada na Hungria. Eles possuem uma raça de porco bastante particular chamada Mangalitza, porcos com uma pelagem encaracolada, cuja carne, marmorizada e adocicada, é muito saborosa! Além disso, temos a páprica que, picante, é semelhante a nossa pimenta, aquela que gostamos bem! Tem ainda os peixes do lago Balaton, e as bebidas de todo o país que nos lembram dos nossos peixes de rio e da nossa aguardente nacional, a cachaça.

E, como artista, é instigante o que posso aprender com essa dupla cidadania, essa curiosidade de uma outra cultura e as possibilidades de intercâmbio.

Criatividade e Interdisciplinaridade:

De que maneira você integra a criatividade artística, os princípios da Física e as habilidades culinárias para criar pratos únicos e inovadores?

Vou contar mais uma história, que vai ajudar a contextualizar o que é interdisciplinaridade na minha vida. Quando fazia meu curso de belas artes, tive que ler um texto da idade média e apresentar um trabalho sobre essa leitura, na disciplina de história da arte. Meu trabalho foi uma tradução desse texto, em um banquete sensorial que, para além da comida, tinha cheiros (incensos, especiarias, cenário (ambientação com velas, música medieval). Foi uma espécie de espetáculo teatral comestível. Meu professor na época, Marcos Hill, me chamou atenção para o fato de que usei a comida e toda a ambiência como uma linguagem. E que isso era também uma expressão de arte, que se chamava performance.

Nunca havia pensado sob esse prisma, conhecia pouco sobre o assunto, mas, esse fato me abril um portal!   Percebi que a cozinha poderia ser um meio de expressão artística de todo o meu trabalho.  E a ciência, uma ferramenta para espetacularização/ encantamento dessa linguagem. Seja através de combinações moleculares cientificamente comprovadas, ou de utilização de elementos que provocam uma mudança de estado da matéria num piscar de olhos. São inúmeras possibilidades.

Nestes últimos 20 anos, desde 2005, venho realizando performances gustativas das mais diversas maneiras. Provocando os sentidos das pessoas a partir do sabor / saber.    Os jantares, com temas variados, aconteceram na Albuquerque Contemporânea por pelo menos 6 vezes, no Museu de Arte da Pampulha – 5 vezes + uma ocupação de 30 dias, espaço 104 – 2 vezes, Ilustríssimo – 2 vezes, roda gigante do parque Guanabara – 2 vezes , Inhotim – 3 vezes. Ao todo foram perto de 30 jantares / performances gastronômicas.  Esse é o meu trabalho, onde interdisciplinaridade e criatividade andam de mãos dadas.

Conselhos para Futuros Chefs:

Que conselhos você daria para a nova geração de chefs que deseja alcançar sucesso em um mercado tão competitivo, mantendo autenticidade e criatividade?

Construam seu HD próprio (suas referências) com critério e de acordo com o que gostam/amam. Vá aos poucos, maturidade ajuda bastante. Leia muito (mesmo que sejam receitas), viaje, se possível, (pode ser “praqui” ao lado, sempre temos algo a ver e aprender), prove tudo que puder e quiser e nunca entregue um prato sem saber que gosto tem.

Experimente, faça combinações diferentes, diversas, divertidas. Anote. O método científico existe pra cozinha também, use e abuse dessa ferramenta!  E, se possível, aprenda a gostar de arte, porque arte salva!

 

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